* Tomei a liberdade de trazer para o site da Partilha Consultoria fragmentos de um livro de Cortella em função das relações que ele apresenta entre Cultura, Ser Humano e Educação. Essa visão é compartilhada por nós em todos os nossos serviços. Referências do livro ao final do texto.
Cultura: o mundo humano
*em parágrafos anteriores a este no livro, Cortella defende a tese de que para se adaptar ao mundo/natureza o ser humano precisou lutar com ferramentas produzidas por ele, pois, em comparação com os demais animais, somos seres frágeis.
(...)
Qual é, porém, a "ferramenta" para enfrentarmos a realidade? A tentação inicial seria dizer: a racionalidade. No entanto, evidentemente, não basta pensar para que as coisas aconteçam; é preciso agir.
Nossa relação de interferência no mundo se dá por intermédio da ação; entretanto, não é uma ação qualquer o que nos distingue, pois todos os animais têm ação. Nossa ação, porque altera o mundo, é uma ação transformadora, modificadora, que vai além do que existia; todavia, alguns outros animais também têm ação transformadora.
O que vai nos diferenciar, de fato, é que só o animal humano é capaz de ação transformadora consciente, ou seja, é capaz de agir intencionalmente (e não apenas instintivamente ou por reflexo condicionado) em busca de uma mudança no ambiente que o favoreça.
Essa ação transformadora consciente é exclusiva do ser humano e a chamamos trabalho ou práxis; é consequência de um agir intencional que tem por finalidade a alteração da realidade de modo à moldá-la às nossas carências e inventar o ambiente humano.
O trabalho é, assim, o instrumento de intervenção do humano sobre o mundo e de sua própria apropriação (ação de tornar próprio) por nós.
Se o trabalho é o instrumento, qual é o nome do efeito de sua realização? Nós o denominamos cultura (conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo por intermédio do trabalho).
Veja-se que, por ser a cultura um produto derivado de uma capacidade inerente a qualquer humano e por todos nós realizada, é um absurdo supor que alguém não tenha cultura; tal concepção, uma discriminação ideológica, interpreta a noção de cultura apenas no seu aspecto intelectual mais refinado e não leva em conta a multiplicidade da produção humana coletivamente elaborada.
Nós humanos somos, igualmente, um produto cultural; não há humano fora da Cultura, pois ela é nosso ambiente e nela somos socialmente formados (com valores, crenças, regras, objetos, conhecimentos etc.) e historicamente determinados (com as condições e concepções da época da qual vivemos). Em suma, o Homem não nasce humano, e sim, torna-se humano na vida social e histórica no interior da Cultura.
(...)
Da relação Humano/Mundo por meio do trabalho, resultam os produtos culturais; esses produtos, por nós criados a partir de nossa intervenção na realidade e dela em nós, são de duas ordens: as ideias e as coisas.
Movidos pela necessidade como ponto de partida, a Cultura está recheada das coisas que fazemos em função das ideias que tivemos e das ideias que tivemos em função das coisas que fazemos (...). Em outras palavras, os produtos materiais (as coisas) estão impregnadas de idealidade e os produtos ideais (as ideias) estão entranhadas de materialidade.
Os produtos culturais têm, como característica básica, serem úteis para nós; por isso, também podem ser conceituados como bens.
(...)
Desse ponto de vista, o bem de produção imprescindível para a nossa existência é o Conhecimento, dado que ele, por se constituir em entendimento, averiguação e interpretação sobre a realidade, é o que nos guia como ferramenta central para nela intervir; ao seu lado se coloca a Educação (em suas múltiplas formas), que é o veículo que o transporta para ser produzido e reproduzido.
IN: CORTELLA, Mario Sergio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2009. (pp.35-39)
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